Quais as modernizações o setor elétrico necessita para atender a ampliação do Mercado Livre de Energia?

O setor elétrico Brasileiro vem passando por diversas mudanças nos últimos anos, a expansão da diversidade de fontes na nossa matriz, impulsionada em grande parte pelas renováveis, somada com o crescimento do Mercado Livre de energia que a cada ano vem habilitando faixas menores de carga para migração, trouxeram uma considerável necessidade de alterações no setor com um todo, desde regulatórias, operacionais, processuais e até culturais.

Mediante a estas necessidades e mudanças, neste ano o Ministério de Minas e Energia – MME, decidiu por avançar na proposta de abertura do mercado livre de energia, possibilitando, através da Portaria MME nº 50/2022, publicada em 28 de setembro, a migração de todos os consumidores do Grupo A, independente da sua carga, a partir de 2024. Somada a esta portaria, o MME também abriu uma Consulta Pública na sequência, propondo a abertura total do mercado livre de energia também aos consumidores da baixa tensão, sendo em uma primeira fase, aos consumidores industriais e comerciais em 2026 e aos residenciais e rurais em 2028.

Diante do fato de que este avanço revela uma nova mudança estrutural ao setor, do qual várias novas medidas necessitarão ser tomadas para que tal abertura se dê de uma forma equilibrada e sustentável, com respeito a todas as cadeias que compõem o setor, seja da geração, transmissão, distribuição e a comercialização de energia, falarei abaixo sobre algumas das modernizações que possivelmente presenciaremos nos próximos anos, devido a este novo cenário que se inicia no setor elétrico.

Uma das primeiras figuras que surge como ponto central nesta nova abertura de mercado, é o Comercializador Varejista. Tanto a portaria já publicada para a abertura do Grupo A, quanto a proposta contida na Consulta Pública de abertura do mercado para o Grupo B, definem o Comercializador Varejista como o viabilizador operacional deste novo mercado, estabelecendo que todos os consumidores do Grupo A com carga individual inferior a 500kW e todos os consumidores do Grupo B, deverão ser obrigatoriamente representados pelo Varejista na CCEE quando optarem pela migração para o mercado livre.

Diante disto, o Varejista assume um papel central de absorver todo este mercado potencial assumindo inclusive os riscos operacionais e financeiros desta absorção, o que demandará novas formas de atendimento ao mercado potencial através da digitalização principalmente, dado ao novo “mindset” que as aberturas de mercado trarão ao mercado livre, onde as transações passarão por um processo de mudança entre poucas unidades consumidoras e grandes volumes de energia para grandes volumes de unidades consumidoras com baixos volumes de energia. É possível que plataformas eletrônicas de comercialização de energia para o varejo, conhecidas como e-commerce, sejam cada vez mais comuns para a comercialização Varejista nos próximos anos, assim como já existem em países da Europa, onde o consumidor pode acessar e contratar o montante de energia, o tipo de fonte de energia que deseja comprar, assim como a modalidade de serviço atrelado a compra de energia, tudo em formato virtual pela plataforma de e-commerce do supridor da sua escolha.

Além disso, várias modernizações nos próprios regulamentos que regem as atividades do Varejista já estão sendo pensadas pelos órgãos reguladores e deverão ser aplicadas previamente à estas aberturas, tal como uma maior rigidez nos critérios de habilitação para que o Varejista possa operar, de modo que este agente possa auferir toda segurança necessária para o mercado com um todo e principalmente, aos consumidores que ele representa na CCEE. Estas modernizações trarão maior facilidade e dinamismo ao atendimento do grande mercado potencial que se abrirá, e ao mesmo tempo a mitigar a possibilidade de que este agente assuma riscos além da sua capacidade financeira evitando a ocorrência de quebra de comercializadores varejistas.

Não menos importante, uma necessidade que surge com maior representatividade na abertura de mercado, é o suprimento aos consumidores cujo Varejista que os representa é desligado na CCEE. Diante da premissa que boa parte do mercado potencial deste novo mercado será representado obrigatoriamente pelo Comercializador Varejista, a quantidade de consumidores que no caso do desligamento do seu representante, ficarão sem supridor, será em volume de unidades muito maior se comparado com o atual mercado.

A abertura do mercado livre, em sua totalidade, trará uma mudança operativa dos atuais milhares de consumidores para milhões de novas unidades consumidoras, o que demanda uma maturidade elevada no mercado para que o suprimento de energia seja garantido aos consumidores adimplentes, mesmo quando no eventual desligamento do seu supridor. Sendo assim, uma nova figura surge como ponto de modernização no setor que é o Supridor de Última Instância – SUI, este novo agente, passará a existir na proposta de abertura do mercado para o Grupo B, contida na Consulta Pública do MME e terá o papel de justamente garantir este suprimento para os consumidores que ficarem sem representante varejista no mercado livre.

Conforme a proposta que consta na Consulta Pública do Ministério, esta nova função será exercida inicialmente pelas Distribuidoras e é extremamente necessária pela razão fatídica da garantia do suprimento de energia aos consumidores, porém, por se tratar de um atendimento emergencial não planejado pelas Distribuidoras, seguindo a proposta, o Suprimento de Última Instância deve se dar de forma esporádica e temporária, de modo que o período máximo proposto para que o consumidor que ficou sem representante no mercado livre faça uso do Supridor de Última Instância é de até 90 dias apenas. Tanto o Ministério de Minas e Energia, quanto a ANEEL ainda deliberarão sobre o tema através de regulamentações específicas que detalharão o formato e as regras de atendimento deste novo tipo de suprimento, porém pode-se concluir que o Suprimento de Última Instância também será um item de modernização necessário no setor, para que a abertura de mercado ocorra abarcando todas as possíveis lacunas operacionais quanto ao atendimento e suprimento de energia a todos os consumidores.

Outro item que vem logo na sequência é a medição inteligente de energia. O caminho para que os benefícios da abertura de mercado sejam alcançados em sua totalidade passa inevitavelmente pelos medidores inteligentes, que através da telemetria atribuem ao consumidor que optar pela migração ao mercado livre de energia com este tipo de medição, a oportunidade de serviços adicionais como análise do seu perfil de carga, resposta da demanda e mais uma possibilidade gigantesca de novos produtos que poderão ser criados, através da ligação entre a modernidade digital e a medição em tempo real no intuito de ofertar ao cliente a melhor opção de compra ou gestão da sua energia para o seu perfil específico.

Na atualidade, a maior parte dos medidores (principalmente no Grupo B) são analógicos com medição volumétrica, o que não possibilita dar ao consumidor esta nova janela de oportunidades e produtos. Sendo assim, mesmo que a medição inteligente não um é item obrigatório para a abertura de mercado, a modernização dos medidores tende a ser uma evolução natural a se desenvolver pelo próprio mercado ao longo do tempo, de modo que o próprio apetite dos consumidores pelos serviços e produtos que esta modernização proporcionará poderá avançar este processo em uma velocidade crescente.

Por fim, na medida em que as ações de preparação para a abertura do mercado forem se concretizando, diversas outras modernizações surgirão como necessidade, tanto pelo lado do poder concedente e seus órgãos reguladores em prover regramentos e diretrizes com vista a nortear o rumo das ações no setor, como pelo lado dos agentes e consumidores em buscar soluções tecnológicas e oportunidades de produtos e serviços que poderão ser acrescentados a simples compra e venda de energia no mercado livre no intuito de trazer vantagens aos seus negócios.

O que podemos concluir é que estamos caminhando para uma nova realidade no mercado de energia, e a tão falada abertura que parecia distante já chegou, iniciando logo ali em 2024!!!

Escrito por: Isaaque Felix
Analista de Regulação Estratégica de Mercado
CPFL Soluções