Nova Medida Provisória voltada para o Setor Elétrico

O objetivo principal das propostas apresentadas é a redução das tarifas de energia em médio e longo prazos.

Publicada em 2 de setembro, a Medida Provisória nº 998/2020, apelidada pelo Governo Federal como a MP do Consumidor, apresenta uma série de medidas que alteram regras do Setor Elétrico visando, principalmente, a redução das tarifas de energia para os consumidores finais. Dentre outros, elencamos alguns dos principais dispositivos com reflexos imediatos no mercado, que foram definidos pela MP.

Destinação de recursos para a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE

A MP destina parte dos recursos dos programas de Pesquisa e Desenvolvimento – P&D e de Eficiência Energética para a CDE. Tratam-se de programas em que as concessionárias de geração, distribuição e transmissão de energia do país investem parte de seu faturamento em projetos de pesquisa em inovação e tecnologia, mediante aprovação da ANEEL. Os recursos a serem repassados são aqueles ainda não comprometidos com projetos contratados ou iniciados, além daqueles reprovados ou não  concluídos. Atualmente, segundo levantamento apresentado pelo governo, existe um saldo de cerca de R$ 3,4 bilhões, que será direcionado para a conta. Além do saldo atual, a MP também destinará cerca de 30% dos recursos desses programas para a CDE durante o período de 2021 a 2025.

A CDE é um fundo setorial que custeia programas e políticas públicas para o desenvolvimento do setor elétrico, como por exemplo: programa Luz Para Todos; universalização do acesso à energia elétrica; descontos nas tarifas de uso para fontes de geração renováveis incentivadas e para irrigação. Esse fundo é constituído por meio da cobrança de encargos nas contas de energia elétrica. O aporte dos recursos desses programas na conta trará um alívio nos reajustes das tarifas dos consumidores finais, durante o período de quitação da chamada Conta-Covid, criada pela MP 950, que viabilizou um empréstimo de mais de R$ 15 bilhões para as distribuidoras de energia, com o objetivo de minimizar o impacto da crise da Covid-19, pela queda de receita e aumento de inadimplência durante a pandemia. Esses empréstimos serão repassados para os consumidores até 2025, por meio de um novo encargo dentro da CDE.

Fim dos Descontos na TUSD

A proposta apresentada na MP define que os geradores de energia de fontes incentivadas, atualmente com direito a desconto nas tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão não inferior a 50%, descontos estes que incidem na geração e no consumo, não farão mais jus a esse incentivo ao fim do prazo de suas outorgas ou na eventual renovação delas. Em relação a novos empreendimentos, ou em caso de aumento da capacidade instalada dos existentes, só terão direito ao desconto aqueles que solicitarem a outorga, ou alteração dela no caso de aumento de capacidade, em até um ano da publicação da MP e, ainda, se iniciarem a operação de todas as suas unidades de geração em até dois anos da outorga. Essa medida também desonera a CDE, que é a conta que sustenta o subsídio por meio do pagamento de encargos pelos consumidores finais.

A contrapartida para a perda do desconto e como forma de não desestimular investimentos na geração de energia renovável por eventual baixa competitividade, o que traria insegurança no suprimento, é que o governo deverá apresentar diretrizes para a implementação de mecanismos que considerem os benefícios ambientais das tecnologias de geração de energia renovável, inclusive considerando requisitos técnicos de segurança energética, como aqueles relacionados à baixa emissão de gases causadores do efeito estufa, no prazo de um ano contado da publicação da MP.

Importa destacar que os contratos de compra e venda de energia incentivada atuais, com direito a desconto, não sofrerão qualquer impacto nas regras de comercialização, durante a sua vigência.

Ampliação da segurança jurídica para o Mercado Livre

Duas medidas apresentadas que beneficiam o mercado livre são a previsão em lei da figura do Comercializador Varejista e também do desligamento de agentes inadimplentes da CCEE. Essas medidas trazem maior segurança jurídica para o mercado, pois atualmente só estão previstas de forma infralegal, em regulamentos da ANEEL.

No texto apresentado, foram incluídas regras sobre as circunstâncias do desligamento dos agentes da CCEE, que poderá ocorrer, conforme regulamentação da ANEEL, dentre outras razões:

  1. de forma compulsória;
  2. por solicitação do agente; e
  3. por descumprimento de obrigações na CCEE.

Além disso, o texto prevê que o inadimplemento acarretará a suspensão do fornecimento de todas as unidades consumidoras do agente.

Já sobre o Comercializador Varejista, o texto prevê que a comercialização de energia no mercado livre poderá ser feita por intermédio desse agente, habilitado na CCEE, caracterizada pela representação de pessoas físicas ou jurídicas, a quem não será obrigado aderir na CCEE. A previsão da representação de pessoas físicas abre caminho para o futuro da abertura total do mercado livre, inclusive para baixa tensão. A proposta também prevê regras para o encerramento da representação desses consumidores, que poderá ocorrer por:

  1. resilição do contrato, mediante declaração de vontade;
  2. resolução do contrato em razão da inexecução contratual; e
  3. desligamento ou inabilitação do agente varejista na CCEE.

Outras medidas

Uma medida que beneficiará as distribuidoras da Eletrobras, recentemente privatizadas, é a destinação de recursos da CDE e de outra conta, a Reserva Geral de Reversão – RGR, de forma a atenuar aumentos tarifários para os consumidores dessas distribuidoras. A RGR é um encargo pago pelas empresas de geração, transmissão e distribuição de energia, cuja finalidade é financiar projetos de melhoria e expansão para empresas do setor energético. As distribuidoras beneficiadas são: Amazonas Distribuidora de Energia, Boa Vista Energia, Companhia de Eletricidade do Amapá – CEA, Companhia Energética de Alagoas – Ceal, Companhia Energética do Piauí – Cepisa, Centrais Elétricas de Rondônia – Ceron e Companhia de Eletricidade do Acre – Eletroacre. As distribuidoras ficam desobrigadas a quitar empréstimos, financiados pela RGR, concedidos na época em que ficaram sob controle temporário da União, período que precedeu a privatização.

Outra medida foi o ajuste na legislação para a contratação da reserva de capacidade, incluindo a energia de reserva, com o objetivo de garantir o fornecimento emergencial em momentos de maior demanda. O custo de contratação desse fornecimento será rateado por todos os consumidores finais de energia, tanto do mercado regulado quanto do mercado livre.

A MP traz também alterações sobre a usina de Angra 3. A proposta é que a União poderá privatizar a exploração da usina por meio do regime de autorização, pelo prazo de 50 anos, podendo ser prorrogado por mais 20 anos. Contudo, por força do que está previsto na Constituição Federal, a exploração de energia nuclear no país é exclusividade da União, o que fará com que a empresa que receber a outorga será uma sócia minoritária do governo.

Tramitação da MP

Seguindo o rito processual do Congresso, o prazo para apresentação de emendas se encerrou do dia 04 de setembro, quando foram apresentadas 205 emendas. Agora, a presidência da Câmara deverá definir o deputado que será o relator da MP, que apresentará seu parecer na Comissão Mista, para ser votado em plenário, quando então seguirá para o Senado. O prazo para a caducidade de uma MP é de 60 dias, podendo se prorrogar por mais 60. Portanto, a data para sua caducidade é 30 de dezembro, porém como nesse período a Câmara entrará em recesso, o prazo poderá se estender até 10 de fevereiro de 2020.

Um questão relevante a se considerar é que a MP não entrou na pauta prioritária da Câmara, pois o relator ainda não foi designado. Resta saber se a MP terá sua tramitação efetivada ou se o Congresso deixará que seja caducada, como aconteceu com a MP 950/2020. Vamos acompanhar.