Os 3Ds da transição energética

O setor elétrico mundial vem passando por transformações importantes, considerando três pilares que impulsionam o desenvolvimento equilibrado e sustentável do setor e mudam positivamente o futuro do mercado de energia: Descarbonização, Descentralização e Digitalização.

O pano de fundo de todo esse processo é uma transformação da sociedade, o cenário de mudanças climáticas e a necessidade de frear o aquecimento global, com o intuito de manter a temperatura do planeta abaixo dos 2ºC, preferencialmente não mais do que 1.5 ºC até o final do século.

Por isso a necessidade de tornar o setor elétrico mais moderno e eficiente, fazendo um melhor uso dos recursos naturais e da infraestrutura, para com isso reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), em especial o dióxido de carbono (CO2).

As tendências que guiam o futuro do setor de energia envolvem a produção e o consumo de energia renovável, investimentos em digitalização e automação das redes elétricas em alta, média e baixa tensão, descentralização através da mobilidade elétrica, da geração distribuída, do armazenamento de energia, entre outras tecnologias. A seguir, vamos conhecer o que está por trás dos três 3Ds.

Descarbonização

Em nível mundial, o setor energético é um dos maiores responsáveis pelas emissões de GEE liberados na atmosfera, portanto, um dos que mais contribui para o aquecimento global. Porém, é do setor de energia que se espera uma grande contribuição para a neutralidade carbônica até 2050, no que tange à redução das emissões de CO2.

A descarbonização no setor de energia consiste em reduzir ou eliminar o uso de combustíveis fósseis no processo de produção e consumo de eletricidade, substituindo-os por tecnologias limpas e renováveis, como a energia eólica, solar, biomassa e hidrelétrica.

Nesse sentido o Brasil larga na frente, pois possui uma matriz elétrica de cerca de 83% renovável, enquanto o índice global é de aproximadamente 30%. Desta forma, o desafio é manter o aproveitamento dos recursos renováveis do país, mantendo a alta renovabilidade da matriz nacional, sem abrir mão da segurança do abastecimento.

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, através do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2031), no horizonte de 2021 a 2031, está prevista a expansão de 27,2 GW capacidade instalada renovável centralizada e mais 37 GW de geração distribuída, majoritariamente solar.

Descentralização

A exploração de recursos energéticos vem sendo feita de forma centralizada, privilegiando a contratação de grandes usinas e longas linhas de transmissão. No entanto, essa tipologia de contratação tem acarretado constrangimentos no que tange às perdas elétricas e a necessidade de vultuosos investimentos em infraestrutura de expansão e modernização da rede.

Dessa forma, a descentralização é mais do que uma escolha, e deve ser encarada como uma necessidade, pois permite uma exploração otimizada dos sistemas elétricos, disponibilizando várias alternativas de gestão desde a produção até o consumo.

Através da geração distribuída (GD), unidades de armazenamento e veículos elétricos, é possível ajustar o perfil da demanda em função do sinal de preço. Dessa forma, a descentralização coloca o consumidor no centro da transição energética, onde a microunidades de produção de energia desloca o consumo, reduz as perdas elétricas e incentiva o uso de fontes renováveis, desempenhando um papel de destaque na sustentabilidade do setor elétrico.

A descentralização não se aplica apenas a GD, mas sim, ao aproveitamento de todos os recursos energéticos distribuídos (RED), incluindo armazenamento com baterias, serviço de resposta da demanda, sistemas de carregamento de veículos elétricos e eficiência energética. Nesse sentido, os REDs permitem a maior participação do consumidor tanto na geração quanto na gestão do consumo da própria energia.

Digitalização

A digitalização é um movimento que transcende o setor elétrico e desempenha um papel imprescindível na materialização dos outros dois D. A digitalização deve ser encarada pelos stakeholders como uma oportunidade para transformar o sistema elétrico, tornando-o responsivo e integrado.

Os novos desafios da transição energética obrigam o setor a adotar conceitos ligados a Indústria 4.0, Internet das Coisas, Inteligência Artificial e Big Data/Analitics. Os investimentos em tecnologia permitem analisar o comportamento dos consumidores, aprimorar a operação da rede, melhorar a previsão de carga e otimizar o despacho, para além de permitir uma participação ativa dos consumidores na gestão da rede.

Os benefícios da digitalização são reais para os operadores de rede, permitindo: otimizar a produção, facilitar operações de prevenção e manutenção do sistema, melhorar a supervisão e identificação de erros e fraudes, permitir uma gestão integrada das renováveis e otimizar a eficiência energética. Para os consumidores, a digitalização possibilita-os: gerir o seu consumo em tempo real, vender excedentes de produção de energia e pagar faturas sem sair de casa.

A digitalização cria novos modelos de negócios, gerando empregos e impulsionando o crescimento econômico.

Um olhar de Marketing para as mudanças do Setor Elétrico

O Setor Elétrico Brasileiro está em constante transformação e talvez as maiores dessas mudanças se darão nos próximos anos. A partir de 2024, todas as empresas ligadas em alta tensão, do chamado Grupo A, estarão aptas a migrar para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), e assim poderão escolher seu fornecedor de energia, não demorando muito para que todos, inclusive pessoas físicas, possam ter a mesma opção.

Dentre todas as mudanças que essa abertura trará, existe um aspecto que é particularmente desafiador para as empresas desse setor: as questões mercadológicas que envolvem atuar em um mercado de varejo. Mesmo que o Mercado Livre já seja uma possibilidade há mais de vinte anos para algumas empresas, o tamanho limitado do mercado e os altos investimentos afastavam novos entrantes.

O setor tem um viés extremamente técnico e nunca precisou de foco nas questões de Marketing, e agora, aqueles que buscarem se destacar no mercado, terão que dar foco em adquirir conhecimento e capacidade nessas áreas.

A iminência da abertura de mercado em conjunto com outras mudanças, como a popularização da Geração Distribuída, aproximou o setor do público em geral e, consequentemente, atraiu novos entrantes. Antes formado por gigantes, que tinham em suas entranhas prioridades técnicas e financeiras, viu o surgimento de empresas cada vez mais arrojadas em termos de relacionamento com o mercado crescerem graças a essa capacidade.

Assim, cada vez mais, temas relacionados a Marketing se tornaram inevitáveis, e se iniciou a preparação das empresas de energia para lidar com um mercado, que se sabe, terá enorme potencial e competitividade. Uma mudança como essa não se dá de forma trivial, é necessário revisitar a cultura, vencer preconceitos e ampliar o raio de conhecimento em todas as áreas.  Desde a alta gestão passando pelas esferas de execução, todos terão que compreender a nova balança de poder, antes consumidor, o agora cliente, será foco no planejamento e nas estratégias.

Dado a paridade e, logo, a limitação de diferenciação em questões técnicas, as empresas que melhor desenvolverem essa nova, porém essencial característica de entender e atender as exigências do mercado, as que melhor avançarem em análises comportamentais, as que se dedicarem em criar o valor correto em suas ofertas, aquelas que melhor construírem uma relação empática entre suas marcas e o público, serão as que terão vantagens diante a nova realidade.

Esse contexto fez com que a relação entre o setor elétrico e as ciências de Marketing avançassem nos últimos anos, é notável nos produtos, nas comunicações e no conhecimento sobre o mercado. Porém, nos próximos anos essa relação terá uma evolução muito maior e se consolidará através dos desafios e oportunidades que se mostram adiante.

Escrito por:
Gustavo Machado Alves
Coordenador de Produtos e Inteligência de Mercado da CPFL Soluções